domingo, 21 de dezembro de 2008

Capa do Cacao Vanille

A fotos desse mille-feuille chiquérrimo está na capa do livro que o chocolatier François Pralus acaba de lançar na França, com Laurence Cailler, uma expert em baunilha. Pralus, um dos mais respeitados chocolatiers, é também proprietário de uma fazenda de cacau na ilha de Nosy Be, em Madagascar, onde cultiva cacau da espécie criollo, o mais raro e apreciado. É ele também que produz os tabletes com 75% de cacau orgânico, cultivado pelo baiano Diego Badaró na Fazenda Monte Alegre.

François Pralus entre as amêndoas de cacau


Cacao Vanille l'or noir de Madagascar

Acaba de ser lançado Cacao Vanille l’or noir de Madagascar (Agnès Viénot éditions), en français, bien sûr, com texto de Ingrid Astier, fotografias de Hervé Nègre (Madagascar) e Thierry Béguin (receitas). Do mergulho profundo ao universo de perfumes da ilha do Oceano Índico, a autora traz à tona duas histórias de amor que se cruzam: a de Laurence Cailler, pela baunilha, e a de François Pralus, pelo chocolate. Ganhei meu exemplar de François, no 14º Salon du Chocolat, mês passado, em Paris. Não o conhecia pessoalmente, mas ouvira falar da intensidade de sua paixão e da busca incansável pelos frutos raros. Notórios são seus grands crus, fornecidos a mestres como Pierre Gagnaire, Guy Savoy, Michel Troisgros, Pierre Hermé e Jean-Paul Hévin, estes dois últimos donos de boutiques de chocolate em Paris.
A curiosidade de conhecê-lo levou-me direto ao estande da marca Pralus. Não foi difícil encontrá-lo: dezenas de pessoas apinhavam-se à espera das fornadas de praluline, um brioche salpicado de amêndoas crocantes cor-de-rosa ou de nacos de chocolate de largar a família. No atendimento, dois lindos mestiços de pele cor de chocolate ao leite, cabelos encaracolados e olhos transparentes como o mar. São Hugo, 17, e Ulysse, 13, os filhos de François.
Mesmo ininterruptamente abordado numa feira em que é uma das estrelas, o mestre chocolatier, e agora também produtor, acolhe seus interlocutores com toda atenção. É daquele tipo de pessoa que destila a simpatia pelo olhar.
Nascido em Roanne, filho de Auguste Pralus, Meileur Ouvrier de France em 1955 (maior distinção concedida a um confeiteiro), criador do praluline, François Pralus teve seu primeiro contato com chocolate manipulando produtos da marca Valrhona, quando trabalhava com o pai. A primeira aventura no preparo de chocolate a partir das sementes foi guiada pelo célebre Maurice Bernachon, de Lyon. Depois foi para o Lenôtre, em Paris. A parada seguinte, quem diria, seria o Rio de Janeiro, mais precisamente Búzios. Embalado no seu apartamento de Montmartre pela Bossa Nova de João Gilberto e Astrid Gilberto, aos 22 anos decide escrever ao amigo Claude Troisgros, que já morava no Brasil. Com um método de aprendizado de Português debaixo do braço, desembarca no balneário internacionalizado pela conterrânea Brigitte Bardot, onde Claude lhe confia não somente a carta de doces, mas todo o menu de seu restaurante. Aqui, ficou íntimo da jabuticaba e da farinha de mandioca.
Com a venda do restaurante e o fim da empreitada, Pralus voltou para a França. Não de avião, mas numa longa viagem marítima. Entre 86 e 87, o pai passa-lhe as rédeas do negócio. É chegada hora de realizar o sonho de fabricar sua própria cobertura de chocolate e domesticar a arte do tablete. Depois de alguns incidentes e incêndios, o aprendiz-chocolatier chega ao ponto dos puros de origem. Em 2000, abre a Manufacture, a fábrica em Roanne, que transforma por ano 80 toneladas de sementes de cacau no mais fino chocolate. Recentemente, passou a fabricar o chocolate orgânico de Diego Badaró, produtor baiano.
Dos três chocolatiers que fabricam na França seu próprio chocolate, Pralus é o único a possuir uma plantação de cacau. A fazenda de 17 hectares, em Nosy Be, uma ilha vulcânica com 300 quilômetros quadrados de superfície a Noroeste da grande ilha de Madagascar, é também conhecida como ilha dos perfumes, devido aos aromas de vetiver, ylang-ylang, café e pimenta que exalam de seus campos. Ali, no seu jardim secreto, François cultiva a espécie mais rara e aromática de cacau: o criollo.
À Manufacture ainda não chegam as amêndoas de Nosy Be. São necessários de oito a dez anos para um produtor ter a primeira colheita plena, e François Pralus adquiriu sua propriedade em 2004. “Mas quando ando sob os cacaueiros já posso ver meu tablete”, diz ele.
Como o cacau, a baunilha também é originária da América Central. O caviar das orquídeas era usado pelo imperador asteca Moctezuma para temperar seu chocolate, considerado bebida dos deuses e só a ele permitida. Na corte de Luis XVI, baunilha e chocolate também aparecem casados, dando sabor aos sorvetes servidos por Vatel. No entanto, a afinidade entre François Pralus e Laurence Cailler vai além da alquimia da baunilha com o chocolate. Eles comungam dos mesmos princípios éticos, da valorização do ser humano, e defendem a autenticidade e qualidade dos produtos que cultivam através de um comércio justo e auto-sustentável.
Filha de pai paisagista e mãe florista, desde pequena Laurence desenvolveu o amor pelas cores e aromas das flores. Assim, não foi difícil chegar à orquídea da baunilha e a Madagascar, onde instalou com mais cinco sócios a Authentic Products, uma empresa comprometida com sustentabilidade. To-da a história da baunilha está contada, num relato minucioso e perfumado. A título de curiosidade, um trecho das explicações: baunilha vem do espanhol vainilla, diminutivo de vaina, do latim vagina.
Através das culturas de cacau e baunilha de François e Laurence, o leitor é guiado por uma agradável visita as costas Leste e Oeste de Madagascar. Uma viagem entre as melhores vagens de baunilha e as mais finas e raras espécies de Theobroma cacao L , o nome científico do cacau. Não aquele que inunda 90% do mercado mundial, o Bulk, cotado nas bolsas de Londres e Nova Iorque, mas o que provoca filas de chocófilos no estande de Pralus. ( Parênteses beauté: para se proteger do sol, clarear e nutrir a pele, as mulheres que trabalham na seleção das sementes de cacau usam uma máscara de beleza de argila e casca de Pyranthus tullearensis moída.)